Dei aos meus alunos o Poema do Drummond, após solicitei que eles construíssem os seus nos mesmos moldes do poema recebido, posteriormente passei a eles a interpretação do Poema, e pedi a eles que identificassem os elementos nos seus. Caso não hajam eles reescreverão suas produções.
O Amor bate na aorta
Cantiga do amor sem eira
nem beira, vira o mundo de cabeça para baixo, suspende a saia das mulheres, tira os óculos dos homens, o amor, seja como for, é o amor.
Meu bem, não chores,
hoje tem filme de Carlito! O amor bate na porta o amor bate na aorta, fui abrir e me constipei. Cardíaco e melancólico, o amor ronca na horta entre pés de laranjeira entre uvas meio verdes e desejos já maduros. Entre uvas meio verdes, meu amor, não te atormentes. Certos ácidos adoçam a boca murcha dos velhos e quando os dentes não mordem e quando os braços não prendem o amor faz uma cócega o amor desenha uma curva propõe uma geometria.
Amor é bicho instruído.
Olha: o amor pulou o muro o amor subiu na árvore em tempo de se estrepar. Pronto, o amor se estrepou. Daqui estou vendo sangue que escorre do corpo andrógino. Essa ferida, meu bem, às vezes não sara nunca às vezes sara amanhã.
Daqui estou vendo o amor
irritado, desapontado, mas também vejo outras coisas: vejo corpos, vejo almas vejo beijos que se beijam ouço mãos que se conversam e que viajam sem mapa. Vejo muitas outras coisas que não ouso compreender...
(Carlos Drummond de Andrade)
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Comentário do texto 6
O texto se estrutura na base da dicotomia: corpo x alma / concreto x abstrato, partindo de associações sonoras e de sentido:
associação sonora | porta/aorta/horta |
associação de sentido | aorta/constipei/cardíaco |
boca murcha/velho | |
corpos/almas/beijos/mãos |
As associações de sentido criam imagens contraditórias:
uvas verdes | desejos maduros |
ácidos | Adoçam |
dentes | não mordem |
braços | não prendem |
O poema vai sendo construído do plano denotativo para o conotativo e o amorpersonificado vai ganhando novas dimensões, com base em um processo polissêmico:
o amor bate na porta
o amor bate na aorta
o amor ronca na horta
o amor faz uma cócega
o amor desenha uma curva
o amor propõe uma geometria
e finalmente aparece o amor irritado, desapontado.
Como já vimos, a metáfora pode ser definida como uma transferência de significado que tem como base uma analogia. Em Amor é bicho instruído, o campo de abrangência do vocábulo amor é ampliado e toda a seqüência vai mostrar essa característica: amor = bicho instruído pulou o muro/subiu na árvore/se estrepou.
Na última estrofe do poema, os versos seguem esse processo de ampliação, através da repetição do verbo vejo, da presença de nome e verbo com o mesmo radical -- beijos que se beijam -- e de uma certa quebra ou desvio semântico -- ouço mãos que se conversam / e que viajam sem mapa -- em que as imagens sinestésicas mostram bem a abrangência a que já nos referimos: ouço/mãos/conversam/viajam.
vejo corpos, vejo almas
vejo beijos que se beijam
ouço mãos que se conversam
e que viajam sem mapa.
Outro ponto que nos chama a atenção no texto é o emprego dos tempos verbais. O modo é o indicativo, o modo da realidade. Um rápido levantamento nos mostra o predomínio de verbos no presente, empregado no sentido atemporal, como forma de generalização. As poucas ocorrências de verbos no passado, no pretérito perfeito, portanto no aspecto concluso, apontam para as ações que se desenvolvem no texto: pulou/subiu/estrepou. Assim, podemos perceber no poema um lado descritivo, plástico, de quadro à nossa frente, e um outro lado, o narrativo, na penúltima estrofe.
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