Família

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sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Mesma forma, nova função


Tecnologias inspiradas na natureza nem sempre dependem de mega investimentos ou laboratórios sofisticados. Com bons conceitos na cabeça e uma lupa na mão, alguns pesquisadores conseguem fazer maravilhas, mesmo com poucos recursos e em ciclos de pesquisa de apenas um ou dois anos.
Luiz Henrique Alves Cândido é um desses pesquisadores. Junto com outros quatro colegas do Laboratório de Desenho e Seleção de Materiais da UniversidadeFederal do Rio Grande do Sul (LdSM/UFRGS), ele se pôs a observar insetos eanfíbios com o objetivo de desenhar peças-chave para grandes inovações nas indústrias aeronáuticaautomobilísticaeletrodomésticaesportiva emoveleira, para citar apenas algumas.
“A natureza cria um elemento focado para uma determinada aplicação, mas podemos usar a mesma forma para outra aplicação, como é o caso doselementos de junção baseados na anatomia de besouros e sapos”, observa Cândido. Os elementos de junção são peças que visam facilitar a montagem edesmontagem de produtos, favorecendo a reposição e a reciclagem em lugar do simples descarte, sempre de acordo com os princípios do Ecodesign.
O pesquisador usa como exemplo um equipamento esportivo como o esqui (aquático ou de neve). Antigamente, uma única peça fixava o pé do esquiador ao esqui e, se esta peça quebrasse, todo o esqui teria de ser substituído. Isso implicaria no descarte do esqui (produção de resíduos e lixo) e na demanda deenergia e recursos naturais (madeira e minerais) para a fabricação de novos esquis. E pior: o esqui descartado seria uma mistura de madeira e metais, difícil de separar para uma eventual reciclagem.
Hoje a fixação é feita com um conjunto de peças de junção, que podem ser trocadas à medida que se desgastam, aumentando a vida útil do esqui e asegurança do esquiador, além de tornar a indústria esportiva mais sustentável(fator de importância crescente em tempos de Jogos Olímpicos, por exemplo).
A principal função das peças de junção é garantir que um produto possa ser montado antes de chegar ao consumidor e desmontado pós-consumo. E isso vale também para móveis (separação de prateleiras, portas, dobradiças), veículos (separação de peças de metal das peças de plástico etc), eletrodomésticos ou mesmo calçados e acessórios.
“Cada peça de junção pode ter uma forma diferente, o princípio orientador é a função e o conceito (de produto montável e desmontável)”, observa Cândido. As peças podem ser usinadas em polímeros (plásticos) – o que é mais fácil, pois os polímeros são mais flexíveis e moldáveis – ou até em aço, dependendo da necessidade e do uso.
Em um estudo realizado desde 2002, a equipe do LdSM desenhou e fabricou sete tipos de peças de junção, todos inspirados em animais. Em um dos casos, o desenho foi inspirado no esqueleto de sapos da família Bufonidae, à qual pertence o nosso sapo-cururu. Outros desenhos foram inspirados nas caras e nas mandíbulas de besouros das famílias Cicindelidae e Chrysomelidae, ambas com ocorrência nas florestas brasileiras.
Os modelos produzidos no laboratório foram usados em testes mecânicos e se provaram muito eficientes. Os recursos para os diversos ciclos de pesquisa foram obtidos junto à UFRGS, à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (Fapergs), ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).
“Claro que uma indústria que se interesse em adotar peças de junção em seus produtos pode também desenvolver novas formas, de acordo com sua necessidade”, diz o especialista. “O que gostaríamos de demonstrar é que nem sempre as pesquisas de Biônica ou Biomimética (ramos da pesquisa baseados no estudo da natureza para o desenvolvimento de novos produtos ou tecnologias) dependem de grandes investimentos ou de longos estudos feitos em laboratórios sofisticados: às vezes uma lupa é suficiente”.
Luiz Henrique Cândido acredita que a difusão dos conceitos de Ecodesign e Biônica promoveria mudanças importantes no desenvolvimento de produtos, favorecendo a criação de novos processos industriais, mais afinados com a conservação dos recursos naturais, a redução da produção de resíduos e outros princípios do Ecodesign. Mas ainda falta estabelecer uma conexão deste tipo de pesquisa com fabricantes dispostos a apostar em inovações.
Quem sabe uma hora dessas a indústria brasileira não acorda e enxerga o bonde que está perdendo…

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